Ontem estava em Barcelona quando de manhã soube que um avião tinha caído. Saído de Barcelona. Como ia regressar a Portugal passadas umas horas mandei mensagens a quem devia avisar: "caiu um avião que saiu de Barcelona mas não foi o meu e eu estou bem". Parece estúpido, mas essa mensagem poupou algum stress a quem a recebeu e que ainda não tinha visto a notícia. A mim, o stress e a tristeza abateram-se como uma avalanche. Stress porque ia viajar dentro de algumas horas. Tristeza ao imaginar as pessoas que caíram com o avião e as famílias que nunca mais as poderão segurar. Olhei para a meteorologia no iPhone. Vi que ia estar uma ventania do cara#*$%. Já sabia que ia levar uns abanos de Barcelona a Lisboa. Segurei-me à ideia da probabilidade de caírem 2 aviões saídos de Barcelona no mesmo dia. Seria a mesma de alguém ganhar o Euromilhões 2 vezes na mesma semana. Ainda assim, engoli um ansiolítico. E engoli em seco.
Quando entrei no aeroporto em Barcelona, estava um silêncio estranho. Caras sérias. Tensas. A contrastar com o normal movimento e barulho da excitação de viajar que se encontra nos aeroportos. Tentei abstrair-me do que se tinha passado. Mas não deixava de pensar nisso. Antes de embarcar liguei à minha mulher e tentei falar como se não fosse a última vez. "Até logo" e "comprei uma coisa para o miúdo" e foi assim que desliguei. Olhei para as fotos do meu filho. Revi alguns dos vídeos. Fui dos últimos a entrar no avião. Quando cheguei à porta fiquei parado a olhar para os pés. Não me lembrava se costumava entrar com o pé direito ou esquerdo. Até porque nunca dei importância a isso. Mas agora parecia uma decisão crucial. Que se lixe. Entrei ao calhas e cumprimentei a tripulação. Sorriram mas os olhos mostravam outra coisa. Mostravam o mesmo que os meus. Apreensão. Sentei-me no meu lugar e tentei pensar em tudo menos no que estava a pensar. Na fila da frente, um indivíduo de turbante a rezar. Eu só esperava que as rezas dele fossem para chegarmos todos sãos e salvos e não para se encontrar com Alá e as virgens depois de mandar esta merda toda pelo ar. A viagem começou bem. Levantou bem, alguma turbulência pelo caminho mas nada que me fizesse cravar as unhas no banco da frente. Quando estamos a chegar a Lisboa, um vento filho da puta como nunca. O que em inglês se chama "devil wind". O avião ia a dançar o Vira por cima de Lisboa e da Segunda Circular. Lembrei-me das vezes todas que me chateio com o trânsito de Lisboa. Da merda que tenho de aturar no trabalho. Das vezes que me irrito porque o miúdo não come. Ou porque esqueci-me da mochila em casa com o equipamento para a fisioterapia. Ou da vontade que tenho de abalroar os carros que estacionam em cima das passadeiras só para ficarem em frente à porta do café para beberem a puta da bica de manhã. Ou o impulso que tenho de agarrar pelos colarinhos aquela inflexível monte de bosta que trabalha no balcão da Segurança Social.
E enquanto o avião abanava a cauda como a Beyoncé faz o twerk, eu lia repetidamente uma frase da revista que tinha ao colo. Era uma reportagem de uma viagem de surf que o Dane Reynolds tinha feito a Marrocos e que em conversa com um marroquino, o tipo diz-lhe "when the world ends we will all be gone, so we should just live in peace".
Cheguei bem. O meu filho correu-me para os braços no aeroporto como se eu tivesse chegado duma expedição à lua. Estou em paz. E é assim que devíamos ficar enquanto cá andamos. "When the world ends we will all be gone, so we should just live in peace".