10/10/2014

RETRATO DE UMA FEMINISTA


Casei com uma feminista.

------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Se há coisa que me deixa com os nervos em franja são generalizações. Principalmente quando elas se referem aos homens e às mulheres. Sou feminista. Não tenho qualquer pudor em dizer que sou feminista. Na escola do meu filho sabem que sou feminista. No meu trabalho sabem que sou feminista. Os amigos e amigas sabem que sou feminista. Os conhecidos e conhecidas sabem que sou feminista. Eu sempre soube que sou feminista. Uso a palavra feminista muitas vezes propositadamente. Uso-a para que de uma vez por todas ela perca a conotação negativa que tem. E como feminista luto pela igualdade de oportunidades entre homens e mulheres. Há uns dias li um texto intitulado de "Mãe é Mãe", onde uma senhora exponenciava o papel da mãe, passando o pai para um papel secundário. Fiquei doente! Felizmente para mim, enervo-me com estas coisas. A senhora dizia que ser pai é muito mais fácil do que ser mãe. A senhora dizia que o pai não velava o sono do bebé. A senhora dizia que o pai entrega o bebé à mãe sempre que começa a chorar. A senhora dizia que o papel do pai é muito importante, mas que mãe é mãe. 
Senti-me tão ofendida. Senti vergonha alheia. Os meus dois modelos de paternidade são inevitavelmente o meu pai e o pai do meu filho. Os pais da minha vida faziam tudo o que a senhora diz que os pais não fazem. Pasme-se. 
Mãe é tão Mãe como Pai é tão Pai! E não me venham com a história de que a gravidez e a amamentação são condições que proporcionam à partida uma relação mais próxima entre mãe e filho/a do que pai e filho/a. BullShit!!!! Nós mulheres queremos ter as mesmas oportunidades que os homens no mundo do trabalho (onde ainda hoje em Portugal as mulheres são remuneradas muito abaixo dos homens; onde ainda hoje em Portugal as mulheres não são recrutadas para um posto de trabalho porque eventualmente podem engravidar; onde ainda hoje em Portugal as mulheres acham que têm de agir como homens - seja lá o que isso for - para ascenderem a lugares de chefia). Chega caramba!! Se queremos igualdade temos de praticá-la. A igualdade só será possível quando estas mulheres que acham que "Mãe é Mãe" deixem de se fechar no seu monopólio maternal percebendo que a última coisa que faz delas mães é a biologia, a última coisa que faz de uma mãe Mãe é carregar o filho ou filha na barriga e os amamentarem. Serei eu menos mãe por ter tido uma gravidez de apenas 7 meses e ter dado de mamar uns míseros 3 meses? Não! Não mesmo! O que faz de uma mulher mãe é a relação que  constrói com os filhos e filhas, aplicando-se o mesmo aos pais. Ofendo-me. Ofendo-me quando leio estes textos e sinto uma profunda injustiça para com o meu pai e para com o pai do meu filho. Sinto que estes textos perpetuam uma parentalidade desigual. E somos nós mulheres que lhes damos voz. Nós que tanto penámos e ainda penamos por uma sociedade justa, que não olhe para nós como cidadãs de segunda, que fazemos exactamente a mesma coisa com os homens que lutam por uma sociedade que não os olhe como aves raras quando vivem a sua paternidade como uma das "tarefas" centrais da sua vida. Quase fui linchada quando num grupo de mulheres disse que não acreditava no instinto maternal. Onde é que está esse instinto quando lemos as imensas notícias de negligência, maus tratos e abandono por parte de mães para com os seus filhos e filhas. Onde? Se fosse um instinto iria sobrepor-se a tudo o resto, certo? As relações que criamos com os filhos e filhas são isso mesmo, são relações criadas, construidas, quer sejamos pai quer sejamos mãe.

Irina.

--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Orgulhoso de ter uma pessoa iluminada ao meu lado e como mãe do meu filho.


12 comentários:

  1. Muito bom! Concordo plenamente!

    ResponderEliminar
  2. Essas ideias feitas são péssimas tanto para a Mãe como para o Pai. Já era tempo de se reflectir mais na realidade.

    Também detesto generalizações e sou também feminista.

    Bom final de semana.

    ResponderEliminar
  3. E com razões para o orgulho!
    Bom fim-de-semana!

    ResponderEliminar
  4. Subscrevo na integra. As relações constroem-se todos os dias, sejam de maternidade ou paternidade.

    ResponderEliminar
  5. Há dois motivos para perpetuar um comportamento de parentalidade desigual, que nem sequer são mutuamente exclusivos:

    - O pai recusa-se a colaborar, tendo uma visão de parentalidade selectiva, que é como quem diz, participa no que lhe interessa participar, deixando muitas tarefas para a mãe.

    - A mãe, normalmente por muitos outros motivos, quer reforçar essa ligação única mãe-filho, agarrando-se à ideia de "mãe é mãe" e, portanto, especial e a "melhor" cuidadora, porque noutros papéis se sente frustada.

    As pessoas não têm necessariamente culpa disto, é educação, é a vida que tiveram, não souberam escolher melhor, etc.
    Mas como em tudo na vida temos o poder de mudar, de ideias, de comportamentos e atitudes e de acordarmos e vermos que os filhos são quem são beneficiados com essa igualdade, tendo uma relação especial com ambos.

    ResponderEliminar
  6. Não tenho a menor dúvida que pertenço ao clube da tua mulher maravilhosa, uma feminista bem assumida. Um beijinho para vocês os dois!

    ResponderEliminar
  7. Pior é serem essas mesmas pessoas que apregoam o único valor da maternidade as primeiras a marginalizarem a colega que usufrui dos seus direitos relativos a essa mesma maternidade, reduções de horário, faltas, etc...
    Ainda temos muito que evoluir como sociedade...
    Mas concordo em pleno com o texto, a parentalidade é importante no seu todo, no seu conjunto de pai e mãe...

    Raquel

    ResponderEliminar
  8. Há muitos bons pais - graças aos deuses, que assim é! - eu mesma, fui filha de melhor pai que mãe rrrrrrsssssss
    Mas criei duas filhas praticamente sozinha. E essa, hein?
    Mas, aceitemos, há ainda uma sociedade tipicamente machista à nossa volta em que os homens só servem como reprodutores e pouco mais, e sim, concordo plenamente: perpetuada com a ajuda de muito boas senhoras que para aí andam, que não só criam e educam verdadeiros monstrinhos egoisticamente machistas, como ainda atacam as mulheres que lutam por fazer a diferença, exigindo e praticando a igualdade - não sei se construí bem esta frase, mas espero fazer-me entender. Felizmente já temos leis, como a da Licença de M(P)aternidade, que procura estimular essa igualdade. A sociedade vai mudando, mas devaaaaagar, a passo de tartaruga.

    Quanto ao instinto maternal, fico feliz por ver que não sou única a questioná-lo, tenho inclusive um texto rabiscado e guardado na gaveta, que hei de usar para um post. Há muito para falar desse tema...
    E essa última frase para terminar um bom post em beleza: «As relações que criamos com os filhos e filhas ...são relações criadas, construídas, quer sejamos pai quer sejamos mãe.» Beleza.

    ResponderEliminar
  9. Palmas para a sua mulher! Muito bem.

    Bom fim-de-semana

    http://agatadesaltosaltos.blogspot.pt/

    ResponderEliminar