22/01/2013

PLAYLIST PARA UMA TRAGÉDIA


Ontem regressei de Roma. Estive lá uns dias em trabalho e ontem regressei a Lisboa. Toda a gente sabe como é que tem estado o tempo. Ora eu até estou bem habituado a voar. Já o faço desde muito novo e o meu trabalho exige que viage sempre 3 ou 4 vezes por ano. Mas o tempo ontem não estava para brincadeiras. Antes de levantar vôo, já imaginava que ia ser um carrossel. Instalei-me bem no meu lugar e preparei-me para levar uns abanões. E assim começou. Mal levantou e já andava tudo a dançar nas cadeiras. Assim que o comandante autorizou, meti os headphones na cabeça e a minha playlist a tocar.

Costumo fazer playlists para todo o tipo de ocasiões. Mas enquanto o avião andava aos saltos pelo ar, comecei a pensar que não tinha uma playlist para o caso do avião se despenhar. E pensei que precisava de uma música para a ocasião. Uma que me acompanhasse durante uma queda. Porque não estou para ouvir os gritos de pânico das pessoas (incluindo os meus) durante os meus últimos minutos de vida. Já que um gajo vai, pelo menos que esteja a ouvir alguma coisa de jeito. E portanto comecei a passar a pente fino a biblioteca de música do meu smartphone à procura daquela música. A que me acompanharia no derradeiro encontro com o chão a 30.000 pés de altitude. Excluí logo as bandas indie da moda. Tipo Bon Iver ou Beach House. São muito metafóricas e ambíguas. Exigem muita atenção e análise, e com um avião a caír a 900 km/hora, não ia dar tempo. Músicos tipo Jeff Buckley e Ray LaMontagne também não ia dar. Demasiado românticos para a ocasião. Para ser boa, tem de ser uma música épica. Com um tom dramático, carregada de significado mas fácil e rápida de entender, pensei eu. Isso mesmo. Épica e simples. Punk não dá. É simples mas falta-lhe o épico. Para além do mais, só me deixaria ainda mais com os nervos em franja. E normalmente as músicas punk são muito curtas. Arriscava-me que a música acabasse antes do avião bater e que eu andasse feito maluco à procura de outra à pressa. Jazz também não. É muito caótico e para caos já basta a cena que eu imagino ser o interior de um avião em queda. Grunge seja Nirvana ou Pearl Jam também não dava. Faz-me lembrar demasiadas coisas da minha juventude que eu quero esquecer, tipo o meu cabelo.

A meu ver, identifiquei 2 tipos de música que poderiam dar. Classic rock ou hard rock. Têm a fórmula perfeita. Normalmente são épicas, com refrões intensos e grandiosos, batidas poderosas e levam sempre com o solozinho de guitarra da praxe pelo meio. É isso. E trazem sempre uma mensagem qualquer. O nome da música também tem de carregar significado. Pensei então no "Baby I'm Gonna Leave You" dos Led Zeppelin. Tem todos os ingredientes perfeitos. É certo que peca por ser um bocadinho longa. Mas é tão boa do princípio ao fim que mesmo que ficasse a meio, não se perdia nada. "You Ain't Seen Nothing Yet" dos Bachman Turner Overdrive sem dúvida, o refrão imbatível. "Faithfully" dos Journey também seria uma excelente opção, com aquele acorde inicial. "Blind Faith" dos Warrant é outra. "Time Stand Still" dos Rush também servia. "Wasted Years" dos Iron Maiden também podia ser opção. The Doors sem dúvida. Mas não o "The End". Essa é demasiado literal. Antes preferia o "Break On Through".

E enquanto ia passando pela biblioteca de música do telefone ainda à procura da música perfeita, cruzo-me com um vídeo que tinha gravado há uns dias. Era um vídeo do meu filho a cantar-me os parabéns (apesar do meu aniversário já ter sido em setembro, ele gosta de me cantar os parabéns todas as semanas). Aí está. Nem procurei mais. Se o avião caísse, era esta a música que eu punha nos meus headphones. Bem alta. Nada me soaria melhor do que o meu filho a cantar os parabéns a você a mim, enquanto o avião mergulhava na escuridão. No meio do caos todo só o ouviria a ele, a cantar sem música, a capella "para o menino pai, uma salva de palmas", terminado com um "Ehhhh, vivó pai", mesmo antes do impacto final. Épico. Agora deixa cá pôr o vídeo à mão, não vá o diabo tecê-las.

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