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28/04/2015

O DIA EM QUE CAIU DO TRONO




Um dia disse ao meu filho que ele era capaz de fazer tudo. Foi já há algum tempo. Era ele mais pequenino ainda. Não me lembro bem o que era, mas ele estava a fazer qualquer coisa e disse "não consigo". Achei que era a minha deixa. Disse-lhe olhos nos olhos "tu consegues tudo. Nunca te esqueças disso". Esqueci-me foi que ele tinha 2 anos. Cá metáforas ainda não pegam nesta idade. Esqueci-me que os miúdos nesta idade levam as coisas um pouco à letra. E que um gajo tem de explicar tudo bem explicadinho senão dá merda. E assim foi. Não expliquei e deu merda.

Comecei por ensinar o meu filho a andar de skate com 2 anos. Desde muito cedo ele adorou. E começou a ganhar-lhe o jeito. Fui andando com ele, ensinando o que deve ou não fazer, o que pode ou não fazer. Ele foi evoluindo. Agora com 4 anos, chegou a uma fase que eu achei que ele devia passar a ter aulas com um professor e outros miúdos. Achei que podia ajudá-lo a desenvolver outras técnicas. Aprender outras coisas. Conhecer outros miúdos. Aprender com os mais velhos. Então começou as aulas. Tem dois professores ex-skaters profissionais. Além de bons skaters, bons professores. Lógico que os colegas na aula são todos mais velhos. É o único com 4 anos. E naturalmente tem as limitações inerentes à idade. Sempre que a aula começa, está com a moral toda. Motivado. Orgulhoso. Divertido. À medida que a aula vai avançando começa a esmorecer. Até que desiste a meio. Apesar do meu filho ser muito bom no skate para idade dele, apesar de ser capaz de fazer muito mais com um skate do que maioria dos miúdos e das miúdas com 4 anos, apesar de adorar, nas últimas aulas desistiu a meio, Cabeça para baixo, skate a arrastar. Aconteceu não uma, mas duas vezes.

Como não sou parvo, naturalmente nunca mostrei má cara. Nunca me mostrei chateado, nunca me mostrei desiludido, nem triste nem nada disso. Simplesmente perguntava-lhe "queres ir embora filho? de certeza?".
Nunca o obriguei a andar e só ia às aulas quando queria. Até que um dia, sentados em cima dos skates, perguntei: "filho, porque é que não queres estar nas aulas? gostas de lá estar ou não gostas muito?" Ao que ele me responde "gosto mas pensava que era só para fazer o que eu sei".

Ahhhhhhhhh. Toda a festa que eu fazia quando ele conseguia alguma coisa, todas as vezes que lhe disse que ele consegue tudo, todas os gritos que ele era o maior, vieram bater-me à porta. Ali na aula, com os miúdos mais velhos a fazerem mais do que ele é capaz, ele sente-se um underachiever. Incapaz de chegar ao nível dos outros. Nos olhos dele, ele vê todos a andarem muito melhor que ele, a fazerem mais do que ele, incapaz do distanciamento para perceber a diferença de idades, força, anos de experiência que o separam do resto da turma. Por isso ele sente-se incapaz de chegar e estar ao nível dos outros. E por isso acha que já não consegue tudo como eu tantas vezes lhe disse. Que já não é o maior. Sente-se desiludido. E acha que me vai desiludir. Porque na aula ninguém faz a festa que um pai faz. Percebi.

Expliquei-lhe que ele está nas aulas para fazer o que sabe e também para tentar aprender a fazer o que não sabe. Que tentar é fixe. E é divertido. Que ele é o mais pequeno da turma e que por isso não consegue fazer algumas coisas iguais aos outros. Que eu também já fui pequeno. Mas que ele é especial por ser tão pequeno e conseguir estar na turma dos grandes no skate. E que quando for grande vai conseguir fazer igual aos outros. Que para conseguirmos alguma coisa, temos que tentar. Aprender. E tentar.

Parece mentira que eu tenha conversas deste calibre com um miúdo de 4 anos. Mas tenho. E aprendo todos os dias com ele. Como ele certamente aprende comigo. É tão fácil cair na asneira de os iludir demasiado quando os amamos tanto. Fazemos uma festa tremenda de qualquer coisinha. Como se fossem semideuses. Ao ponto deles acreditarem que o são. E daí à desilusão é um instante. Depois é arregaçar as mangas, encher o peito e sentar ao lado deles e explicar o que devia ter sido logo explicado desde início.

Ou não. Talvez isto faça parte. Sei lá eu. Eu também só ando nisto de ser pai há 4 anos. E é a minha primeira vez. Também ando a apanhar bonés. Não sei tudo. Faço o melhor que sei. Vou tentando. E aprendendo. Um gajo tem de elogiar, mas não muito. Um gajo tem de ralhar, mas não muito. Um gajo tem de ensinar, mas não muito. Um gajo tem de exigir, mas não muito. Porra pra isto. Uma coisa é certa. Um gajo tem é de os amar e respeitar. E é muito.

25/03/2015

EM PAZ


Ontem estava em Barcelona quando de manhã soube que um avião tinha caído. Saído de Barcelona. Como ia regressar a Portugal passadas umas horas mandei mensagens a quem devia avisar: "caiu um avião que saiu de Barcelona mas não foi o meu e eu estou bem". Parece estúpido, mas essa mensagem poupou algum stress a quem a recebeu e que ainda não tinha visto a notícia. A mim, o stress e a tristeza abateram-se como uma avalanche. Stress porque ia viajar dentro de algumas horas. Tristeza ao imaginar as pessoas que caíram com o avião e as famílias que nunca mais as poderão segurar. Olhei para a meteorologia no iPhone. Vi que ia estar uma ventania do cara#*$%. Já sabia que ia levar uns abanos de Barcelona a Lisboa. Segurei-me à ideia da probabilidade de caírem 2 aviões saídos de Barcelona no mesmo dia. Seria a mesma de alguém ganhar o Euromilhões 2 vezes na mesma semana. Ainda assim, engoli um ansiolítico. E engoli em seco. 
Quando entrei no aeroporto em Barcelona, estava um silêncio estranho. Caras sérias. Tensas. A contrastar com o normal movimento e barulho da excitação de viajar que se encontra nos aeroportos. Tentei abstrair-me do que se tinha passado. Mas não deixava de pensar nisso. Antes de embarcar liguei à minha mulher e tentei falar como se não fosse a última vez. "Até logo" e "comprei uma coisa para o miúdo" e foi assim que desliguei. Olhei para as fotos do meu filho. Revi alguns dos vídeos. Fui dos últimos a entrar no avião. Quando cheguei à porta fiquei parado a olhar para os pés. Não me lembrava se costumava entrar com o pé direito ou esquerdo. Até porque nunca dei importância a isso. Mas agora parecia uma decisão crucial. Que se lixe. Entrei ao calhas e cumprimentei a tripulação. Sorriram mas os olhos mostravam outra coisa. Mostravam o mesmo que os meus. Apreensão. Sentei-me no meu lugar e tentei pensar em tudo menos no que estava a pensar. Na fila da frente, um indivíduo de turbante a rezar. Eu só esperava que as rezas dele fossem para chegarmos todos sãos e salvos e não para se encontrar com Alá e as virgens depois de mandar esta merda toda pelo ar. A viagem começou bem. Levantou bem, alguma turbulência pelo caminho mas nada que me fizesse cravar as unhas no banco da frente. Quando estamos a chegar a Lisboa, um vento filho da puta como nunca. O que em inglês se chama "devil wind". O avião ia a dançar o Vira por cima de Lisboa e da Segunda Circular. Lembrei-me das vezes todas que me chateio com o trânsito de Lisboa. Da merda que tenho de aturar no trabalho. Das vezes que me irrito porque o miúdo não come. Ou porque esqueci-me da mochila em casa com o equipamento para a fisioterapia. Ou da vontade que tenho de abalroar os carros que estacionam em cima das passadeiras só para ficarem em frente à porta do café para beberem a puta da bica de manhã. Ou o impulso que tenho de agarrar pelos colarinhos aquela inflexível monte de bosta que trabalha no balcão da Segurança Social.

E enquanto o avião abanava a cauda como a Beyoncé faz o twerk, eu lia repetidamente uma frase da revista que tinha ao colo. Era uma reportagem de uma viagem de surf que o Dane Reynolds tinha feito a Marrocos e que em conversa com um marroquino, o tipo diz-lhe "when the world ends we will all be gone, so we should just live in peace".

Cheguei bem. O meu filho correu-me para os braços no aeroporto como se eu tivesse chegado duma expedição à lua. Estou em paz. E é assim que devíamos ficar enquanto cá andamos. "When the world ends we will all be gone, so we should just live in peace".

02/02/2015

O COPO MEIO CHEIO {A OUTRA METADE ENTORNEI A TENTAR AGARRAR NO COPO COM O OMBRO DESLOCADO}


Quando uma pessoa faz 40 anos pensa "epá, 40 anos..." Mas depois os 40 anos não sentem a 40 anos. Na cabeça continuam a ser 20. E continuamos a fazer coisas como sempre fizemos, porque para nós não há idade para as fazer ou deixar de fazer. Isto tem consequências. Uma dessas consequências é a cara das pessoas quando lhes digo que desloquei o ombro a andar de skate.

- "Então, como é que fez isso?"

- "Foi a andar de skate."

Tenho recebido 3 tipos de resposta:

O silencioso: ".............silêncio............"

O paternalista: "Já não tem idade para essas coisas."

E o terceiro tipo de resposta é de quem me conhece e logicamente compreende que estas merdas acontecem independentemente da idade e me dão força e otimismo para a recuperação.

A verdade é que isto não tem a ver com a idade. E quando numa reunião de trabalho me perguntaram do braço e eu disse que tinha sido a andar de skate e ficou tudo com cara de quem acha que sou parvinho, fiquei com orgulho. De me ter magoado a fazer uma coisa que gosto juntamente com o meu filho. Antes isso do que ter um torcicolo por estar um fim-de-semana inteiro a ver TV no sofá.

Mas quando olho para trás, fico lixado com o que aconteceu. Fico com a sensação que podia ter evitado. E pior do que a dor tremenda que passei, pior do que a tortura que foi os ortopedistas meterem a merda do ombro no sítio outra vez, pior do que lavar os dentes ou limpar o rabo com a mão esquerda, pior do que isso tudo, é saber que o prognóstico de um ombro deslocado não é famoso. É imaginar que posso vir a ter dificuldades em surfar como deve ser, andar de skate sem medo de caír sobre o braço ou atirar uma bola ao meu cão. Ou pior, não poder pegar no meu filho ao colo com o braço direito sem medo. Não sei. Pode ser que esteja a ser dramático. Podia ter sido pior.

Para já, vou me concentrar na recuperação e imaginar que isto vai ficar comó aço. O sling já tirei e vou começar com a fisioterapia. Espera-me um longo caminho. Cheira-me que isto só vai estar capaz daqui a uns 6 meses no mínimo. Mas vou fazer tudo o que estiver ao meu alcance para estar a 100%.

Até lá, vou me divertindo a ver o meu filho a andar de skate e a mentalizar-me que isto é o "changing of the guard". A nova geração a substituir a velha. É que isto não tem a ver com idade, mas tem.

01/12/2014

I RUN BECAUSE...


Antes de correr ser moda eu já corria. Agora que é moda, continuo. Mas para mim correr não é só mexer as pernas depressa. É muito mais que isso. Não me vêem em minis, nem meias. Maratonas entenda-se. Não corro maratonas, nem color runs. Não corro por causas, nem por festas, nem por medalhas. Não corro por convívio. Quando corro não quero conviver. Não quero falar. Não quero ouvir ninguém. Não quero gente à minha volta. O único barulho que quero ouvir é o planeta a rodar. A única respiração a minha e a do meu cão. Por isso corro a horas e em sítios onde encontro o que quero e onde não encontro o que não quero.
Em pé às 6 da manhã para ir correr com o meu cão no meio do escuro e ver o amanhecer a caminho de casa. Com o risco de parecer exagerado, é poético. Quando o despertador toca às 5h45 de Dezembro, não há merda nenhuma que me apeteça mais. Excepto talvez vomitar. Mas levanto-me. Lavo os dentes. Visto a minha roupa de correr à prova de frio matinal de Dezembro junto ao mar. Bebo um copo com água e limão. Sans sugar. Because I'm bad ass. O cão já está sentado a olhar para mim à espera. Man's best friend. Sabe para o que vamos. Meto os headphones, beanie, fecho o casaco até cima e saímos os dois. Corremos no meio do escuro 4 km. O mundo está parado a essa hora. Pelo menos neste nosso caminho. Passo a passo, somos nós dois, o mar e os corações a baterem ao som das ondas. Olhos a chorarem do frio. Chegamos a Ribeira de Ilhas e paramos para cheirar o mar, porque ver ainda não dá. Dou-lhe uma festa. Sinto-me vivo. Sangue a correr. Pulmões a engolirem o ar do mar. Começa a clarear por trás de nós. Devagar devagarinho. Respiro fundo e fazemos mais 4 km de volta a casa. O dia começa a amanhecer e é das coisas mais incríveis de se ver acontecer. No meio da penumbra encontro-me. É como se tivesse Deus à beira da estrada a torcer por mim e a dar-me uma garrafa de água, a dizer "vai miúdo, força". Recarrego baterias e todo esse bla bla habitual. Já a chegar a casa estamos os dois de língua de fora. Eu e o cão. Mas de peito cheio. Tão cheios de vida e de paz. Antes de entrar, ainda na rua, páro para apanhar o fôlego, enquanto olho o horizonte. Viro-me para o cão e sorrio. Ele retribui o sorriso, agachado enquanto larga 3 tarolos jeitosos. Depois de apanhar o fôlego, apanho os tarolos. São 7 da manhã. O que um gajo faz para o cão não cagar em casa. Há melhor maneira de começar o dia?

17/09/2014

O QUE TU QUERES SEI EU


"pai, quero uma méspê".

Eu_ "uma quê?"

Ele_ "méspê! méspê! não sabes?"

Eu_ "não filho. não sei. é o quê?"

Ele_ "é uma coisa preta para jogar."

Eu, incrédulo, mas ainda em dúvida_ "uma PSP?"

Ele_ "sim é. uma péspê".

E começou desta forma a birra de 30 minutos até casa. Diz ele que quer uma PSP. Digo eu que nem pensar. PSP. PlayStation Portátil, não as forças de segurança. Deve estar a brincar comigo. Ao que parece, um miúdo lá da escola tem uma e levou-a. Um colega dele portanto. Um miúdo de 4 anos. Com uma PlayStation Portátil. Teria muito a dizer sobre isto. Na verdade, apeteceu-me falar no assunto na reunião de pais que tivemos na escola esta semana. Falar como à conta disso tive de levar com uma birra monumental do meu filho. Como tive de explicar a um puto de 3 anos porque é que o amigo tem uma PSP, mas que ele não pode nem vai ter uma. Como tive de ser incisivo e assertivo na minha posição intransigente de "não te vou dar nenhuma PSP". Como tive de fazer um exercício de retórica e pensamento abstracto para além do humanamente possível de forma a explicar-lhe porquê. Como por causa do amigo e da sua PSP tive um final de dia de merda e o meu filho também. Mas epá, quem sou eu para julgar os outros pais. Os pais do Zé (vamos chamar-lhe assim) também certamente não concordarão com o meu filho a andar de skate sozinho com 3 anos. Um desporto perigoso e que pode levar a que ele parta um braço ou uma perna.

A mim faz-me confusão os pais queixarem-se que os putos são muito dependentes dos jogos e dos iPads e iPhones, quando são eles que os põem nas mãos dos filhos com 3 anos. A eles deve fazer confusão eu queixar-me do meu filho se espetar em ouriços quando sou eu que o deixo andar em cima das lages no mar. Ou de me queixar da frustração dele quando não consegue alguma coisa, quando sou eu que lhe digo que ele consegue tudo se quiser. É assim. Somos todos os melhores pais do mundo. E somos todos uns pais de merda. Tive muita vontade de falar no assunto na reunião. Mas depois não o fiz. Porque isto é uma lição. O meu filho nem sempre vai ter tudo o que o amigo ou colega tem. Nem os amigos ou colegas vão ter tudo o que ele tem. Ele tem de aprender a lidar com isso. E eu tenho de aprender a conseguir explicar o inexplicável. Ou pelo menos que faça algum sentido na cabeça dele. E se eu conseguir isso com um miúdo de 3 anos, raios me partam se não vou conseguir convencer o meu chefe a dar-me um aumento e a reduzir-me a carga horária.

12/09/2014

O MEU 11 DE SETEMBRO: CRISE DE MEIA-IDADE


40 anos. Qua-ren-ta. Não sei. Parece que não soa bem. Mas já cá cheguei. Portanto tenho que me habituar ao som. Ontem fiz 40 anos. Cheguei oficialmente à meia-idade. Portanto, é tempo de crise. E para começar bem, ontem à noite enquanto tentava adormecer, pus-me a fazer uma retrospectiva da minha vida. Década a década. Cheguei à conclusão que isto tudo passa num instante. Mas apercebi-me também de uma coisa. Que a década que parece que durou mais foi a dos 10 aos 20 anos. E comecei a pensar porquê. Apercebi-me que foi a década que mais transformação e rebaldaria passei. Nem sei como é que estou vivo.

Dos 10 aos 20 anos acontece de tudo. Ciclo, liceu e faculdade tudo na mesma década. A brincadeira é com GI Joes, caricas e fisgas. Passa para pistolas, gameboys e revistas da Playboy e da gina. A puberdade. A descoberta da masturbação. Primeiras paixões assolapadas. Primeiros beijos. Primeiro baile de gala. Primeira medição com régua. Aperfeiçoamento da masturbação. Primeiras bebedeiras. Primeiro cigarro. Surf pela primeira vez. Festas de liceu. Primeiro trabalho de verão. Part-time's. Primeiros ordenados. Perda da virgindade. Primeiro desgosto de amor. Primeira relação séria com direito a conhecer os "sogros". Carta de condução. Primeiro carro, desculpem, chaço, que é preciso empurrar para pegar. Pago com os primeiros ordenados. Mentiras aos pais. Paixões de verão. Tardes com os amigos na praia. Noites com os amigos na rua. Saídas com os amigos à boleia. Chegadas a casa às 6 da manhã. Manhãs passadas na cama. One night stands. Festas académicas. Primeiro preservativo rompido. Primeiro susto com possível gravidez. Aperfeiçoamento das mentiras aos pais. Primeira vez a acampar. Primeiros concertos. Vida dividida entre 2 países. 4 cidades diferentes. Primeira crise existencial. Primeira afirmação pseudo-intelectual. Primeira porrada. Grandes amizades. Melhores amigos. Arqui-inimigos. Boas notas. Más notas. Ano chumbado. Sova levada. Primeiros livros. Primeira vez no cinema sozinho com uma miúda. Sexo no carro. Mais festas. Primeira vez a viver sozinho. Porra. É uma década que dura e dura e dura.

Dos 10 aos 20 anos é "primeiras vezes" que nunca mais acabam. As mudanças que uma pessoa passa nesses 10 anos são tão intensas e variadas que esses 10 anos mais parecem uma vida inteira. Muita asneira e muita coisa boa. Olhando bem para trás, fico impressionado como o ser humano consegue sobreviver a esses 10 anos. Somos de facto seres muito resilientes.

Agora com 40 olho para trás com o sentimento de um herói de guerra. Medalha de honra ao peito, histórias de guerra para contar, de whiskey na mão a olhar o horizonte. Fiz o que tinha que fazer. Bem ou mal, foi feito. Teria feito algumas coisas diferentes, outras faria tal qual as fiz. Houve alguns arrependimentos mas é a vida. Mas foram uns 10 anos do caraças. Acho que foram 10 bons anos mas tiveram o seu tempo e já lá vão. Assim como a juventude. Também já lá vai. O tempo agora é outro. É tempo de 40 anos. A minha mulher gosta. Diz que é sexy andar com um quarentão. Sendo assim, deixa cá ver: qua-ren-ta. Afinal soa bem.

18/07/2014

O MUNDO É COMO O VEMOS {NÃO COMO ALGUNS O QUEREM MOSTRAR}

As capas dos jornais Correio da Manhã e Diário de Notícias enojaram-me hoje. Não tanto pelos corpos que estão ali atirados depois da tragédia de ontem com o avião da Malaysia Airlines. Mas pela falta de respeito às pessoas que ali jazem. Pela falta de respeito aos familiares e amigos. Pela falta de respeito à humanidade. À humanidade. Conceito que estes jornais claramente não conhecem. Aparentemente vale tudo para estes jornais venderem. E para mim, só uma mente podre e doentia seria capaz de aprovar esse tipo de imagem para dar conta da notícia. Os jornais Público e Jornal de Notícias também fazem da notícia capa de jornal e não tiveram de recorrer a uma estratégia doentia. Escolheram fotos que retratam a tragédia sem exporem corpos contorcidos no meio de metal dobrado. Nota-se pelo menos alguma sensibilidade na escolha das capas que vão estar expostas aos olhares de todos, crianças inclusive.

Para mim, isto é o suficiente para não querer nunca mais agarrar num jornal daqueles. Não que o fizesse antes. Nunca me identifiquei com o tipo de jornalismo do Correio da Manhã. Já do Diário de Notícias, esperava melhor. Enfim, é o que é. Neste caso lixo.

E é no meio de uma sociedade destas que tentamos educar os nossos filhos e filhas. Ninguém disse que seria fácil. E já sabíamos para o que vinham quando decidimos ter filhos. Uma sociedade onde se formam filas de trânsito intermináveis só para se abrandar na tentativa de ver melhor um acidente de automóvel, e quem sabe ver um corpo estendido. Uma sociedade que pára para ver uma discussão ou uma briga sem no entanto tentarem impedir ou pacificar. Uma sociedade que aplaude um homicida que andou fugido não-sei-quanto tempo. Uma sociedade que enche o facebook de lixo deprimente. Uma sociedade que instiga ao ódio, ao racismo, à discriminação, à estigmatização. Entre povos, entre países, entre pessoas. Entre homens e mulheres. Uma sociedade sádica, doentia e cruel.

Felizmente, gosto de pensar que são nuances da sociedade. A excepção à regra. Gosto de pensar que a sociedade tem para oferecer e oferece muito mais coisas boas do que isto. Há muito mais jornais competentes com gente sã do que jornais incompetentes com gente doentia. Há muito mais videos bons de gente incrível e feitos maravilhosos na web do que videos de decapitações e suicídios em directo. Encontro notícias e vídeos incríveis todos os dias. Que me dão orgulho de viver neste planeta. De ser um ser humano. E de nunca me arrepender ou me culpabilizar por ter trazido o meu filho a este mundo.




01/07/2014

BATE BATE CORAÇÃO {MAS COM CALMA}


A propósito do último post...

Fui ao cardiologista. Especialista em arritmologia. Um extraordinário médico. Viu os meus exames todos. ECG's, análises, ecocardiograma e prova de esforço. Tudo óptimo. Explicou-me tudo com detalhe e pormenor. Fez questão que eu só saísse de lá sem qualquer dúvida. Não há muitos médicos assim. E é pena. Porque é assim que deviam ser todos. Não se apressou nem me apressou na consulta. Foi-me tranquilizando. Quando ficava muito tempo a analisar algum exame, percebia que eu ficava em estado de alerta e dizia-me "não se preocupe, está tudo normal. Estou só a ver o detalhe". Fazia-me perguntas. Dava-me respostas. E deixava-me que lhe perguntasse tudo.
Resultado, parece que tenho uma Taquicardia Paroxística Supraventricular. Uma espécie de curto circuito que acontece no meu coração em que o "sistema eléctrico" do coração sobrepõe um impulso adicional para ele bater. Quando isso acontece o meu coração "salta" um batimento. E às vezes, esse "saltar" do batimento desencadeia uma sequência repetitiva de batimentos em cadeia a alta velocidade. Por isso o meu coração pode a qualquer momento passar de 60 BPM a 160 BPM. A boa notícia é que apesar de assustador e aflitivo não é normalmente perigoso ou mortal em corações saudáveis e com estrutura normal. Que é o caso do meu. Entretanto o cardiologista ensinou-me alguns truques para interromper esse curto-circuito e acalmar o coração quando isso acontece. São duas. Uma é suster a respiração e fazer força como se fosse evacuar. A outra é pôr os dedos na boca e causar um "gag reflex" que é aquele reflexo de quem vai vomitar. Portanto se me virem na rua e parecer que estou a "evacuar" ou a vomitar-me em pleno passeio, é só porque estou a ter uma taquicardia. No worries.

Nota: o fantástico cardiologista chama-se Dr. Manuel Nogueira da Silva e foi na CUF Descobertas. Grande médico. A fotografia da minha frequência cardíaca é através da app Instant Heart Rate para iphone.

27/06/2014

IT'S IN THE HEART


Se há coisa que eu odeio é ataques de pânico. A sério. A primeira vez que tive foi há 10 anos. Em 2004. Estava eu a comprar casa com a minha ex-namorada. Podia ser um sinal. E se calhar foi isso. A verdade é que a relação não durou e foi uma puta-de-dor-de-cabeça conseguir vender a casa. Parece que estava a adivinhar. Se calhar foi isso, se calhar não foi. Sei lá eu. Mas foi aí que começou. Na altura, achei que tinha um problema no coração. Fiz ECG, ecocardiograma, prova de esforço. Tudo com bons resultados. Sou um gajo normalmente saudável. Tenho o colesterol a 165. Triglicéridos a 57. Tensão arterial 110/65. Tudo bom. Faço desporto. Como saudável. Então só podia ser da minha cabeça. Fiz psicoterapia. Resolvi as questões pendentes da minha infância. Meti para trás das costas a vez que passei por cima das minhas irmãs com um triciclo. Fiz paz comigo mesmo e aprendi a pôr os pés em cima do sofá sem medo. Calçado e tudo. Tudo tratado. E nunca mais tive. Até 2010.

Estava a minha mulher grávida na altura e íamos para a ecografia morfológica. Aquela que dizem que é a que detecta possíveis malformações. Ia no carro e fiquei com os 2 braços completamente dormentes. O meu coração disparou e eu estava convencido que ia ter uma paragem cardíaca, AVC, angina, amigdalite, diarreia e morte súbita e tudo ao mesmo tempo. Pensei que não ia chegar a conhecer o meu filho. A minha mulher grávida teve de levar o carro. Bonito. Quando chegámos, entrámos na sala, e enquanto assistia à ecografia e vi o meu filho através do monitor, comecei a acalmar. Tudo passou. O meu coração abrandou. E a sensação do fim iminente foi substituída por uma calma de paz.

Entretanto nunca mais tive. Até esta semana. Tive uma arritmia súbita com taquicardia em que o meu coração passou de 60 BPM para 140 BPM no espaço de 1 segundo (medi com uma app que tenho no iphone que se chama Instant Heart Rate. Vale a pena). Apareceu do nada. Estava eu a tomar pequeno-almoço com a minha mulher. E de repente abrandou novamente. Quem já sentiu isso sabe o quanto é assustador. E isso despoletou um ataque de pânico. Ontem à noite tive outro. Fui correr ontem à noite e quando cheguei o meu coração continuava a um ritmo que eu achava ser acelerado demais. Como ainda estava assustado com a arritmia do dia anterior, pumba, ataque de pânico outra vez.

Estes ataques de pânico são aterrorizantes. Confesso que fico com medo. Não com medo de morrer, porque sinceramente, acho que morrer de morte súbita deve ser a mais fácil e menos dolorosa. Um gajo desmaia, apaga e pronto, está feito. Não é de morrer que tenho medo. É de nunca mais ver o meu filho. É não estar cá para ele quando ele precisar de mim. É não poder abraçá-lo mais. Nas vitórias e nas derrotas. Ou simplesmente nos momentos em que me apetece. É a vontade assombrosa de estar com ele a cada passo da vida. É imaginar a angústia e sentimento de perda que lhe causaria eu não estar cá. Isso é o que me assusta até aos ossos. E então no meio do meu ataque de pânico, levantei-me e fui me sentar ao lado dele enquanto ele dormia. Encostei a minha cabeça na dele e fiquei a ouvi-lo respirar. A dormir. Em paz. E comecei a acalmar-me. E cheguei à conclusão que o problema pode ser da cabeça mas a solução está no coração. Não preciso de terapia nem medicação nenhuma. Só preciso dele. E tudo passa.

{Pelo sim pelo não marquei consulta de Cardiologia com um especialista em arritmologia. É que quero estar cá para vê-lo ganhar a medalha de ouro por Portugal nos X Games}

19/06/2014

É FUTEBOL MAS PODIA SER A VIDA



Nota: não sou um grande e fervoroso adepto de futebol. odeio clubismos*. não sigo atento a liga portuguesa. e não dou um tostão ao Sport TV. mas gosto de desporto. e adoro o Mundial. as únicas vezes que escrevo sobre futebol.

Escrevi o último post minutos antes do jogo Portugal x Alemanha. Mais valia estar calado. Mas não faz o meu estilo estar calado. Por isso venho bater na mesma tecla, porque sou teimoso assim.

Não acho que jogámos mal. Acho que jogámos uma merda. Os outros fizeram o que foram ao Brasil fazer: ganhar. Essa é a diferença. Mas não é só isso. É também isto:

  • O Pepe foi expulso. Pois foi. Foi impulsivo e estava revoltado com o outro que, tal como disse no último post, mandou-se para o chão a fingir uma falta. Mas já lá vou a esse assunto. Ainda sobre o Pepe, a única coisa que censuro é a falta de profissionalismo. Pedia-se e exige-se mais a profissionais. Também me apetece não poucas vezes encostar a testa em alguém no meu trabalho mas não o faço. Tenho que ser mais do que isso. Mas uma coisa é certa. Nunca irei criticar a entrega e coração com que o Pepe estava a viver o jogo. Tivessem o resto dos jogadores tanta entrega e garra como ele. O resultado não tinha sido o que foi. Mesmo com um jogador a menos. E não venham dizer que foi por isso que perdemos. 
  • O Müller fez exactamente o que eu criticava no futebol no último post. Sentiu a mão do Pepe de raspão e mandou-se para o chão agarrado à cara como se tivesse levado um soco em cheio no olho. Um atleta de 1.86 m. Pussy. É o que é. E não é caso único. O futebol é assim. Especialmente o futebol europeu. Um desporto de pussies de 1.80 m que passam a vida a mandarem-se para o chão a gritar e a chorar. E que mal o árbitro apita, levantam-se fresquinhos como se nada tivesse acontecido. Em qualquer outro desporto, isso seria deplorável. Uma vergonha. Mas no futebol não. No futebol chama-se "ganhar" uma falta. Até o verbo utilizado está errado. Não é "ganhar" nada. O que deviam ganhar era vergonha por serem uns pussies.
  • Portugal tem talento. Nada de excepcional, tirando o CR. Mas tem talento. O suficiente para ganhar a qualquer equipa em prova. Mas falta-lhes a coisa mais importante. Alma e paixão. Confiança. Determinação. Drive. É o que lhes falta. Só isso.
Portugal perdeu. É assim a vida. Às vezes ganha-se outras vezes perde-se. E na vida, pouco interessa andar a ruminar nas derrotas e a tentar arranjar culpas ou desculpas. Se fizermos isso na vida, ela vai correndo e nós parados a lamentar-nos e a consumir-nos com o que já está irremediavelmente perdido. É inútil. E é estúpido pensar que já não vamos conseguir mais nada porque caímos antes. O que interessa, é levantar. Sacudir o pó. Olhar em frente. E continuar. Acreditar. E fazer melhor. Farto-me de dizer isso a toda a gente que conheço na vida. Incluindo ao meu filho. Não por estas palavras exactamente. E mostro-lhe por exemplo. Quem me conhece sabe que sou assim. E tenho pena de ver miúdos a lamentarem-se e a insultarem e a culparem todos na face da derrota e da adversidade, tal como vi no café onde assistia ao jogo com o meu filho. São o reflexo dos seus pais. E muitas vezes do seu país. São assim ali. E provavelmente fora dali. Tenho pena. Porque sou português. E não vejo a vida assim. Mas enfim. Cada um é como é. Eu cá vou continuar a acreditar. Como faço na vida. Com ou sem Cristiano Ronaldo, Portugal pode ganhar o mundial. Mas tem que querer. Querer muito. Querer mais que os outros todos. Só assim.

O meu filho vai continuar a vestir a camisola. E eu a convencê-lo a ter orgulho nela. Até ao fim. Que pode ser já no domingo. E se for esse o caso, passa a vestir a da Argentina. Talvez o país da família da parte da avó lhe mostre o que é querer muito. Senão, estou cá eu e a mãe sempre a mostrar-lhe.


*Clubismo: O clubismo é a expressão da negação da razão por intermédio da alienação face a uma entidade que visa alcançar objectivos na área do desporto.
É ver só uma equipa e ver nela o expoente máximo do que é jogar futebol, é arranjar desculpas para a equipa quando joga mal, é ser fanático de uma causa doentia.
O clubismo é não aceitar o valor de um adversário ou que outra equipa possa jogar melhor.

16/06/2014

YES WE CAN


Durante anos vivi nos EUA. Lá aprendi algumas coisas. Uma delas foi no desporto, mas que podemos transportar para a vida. Aprendi a lutar até ao fim. Nunca desistir. Jogar para ganhar. Ser mais forte, mais rápido, mais resiliente. Acreditar. Superar-me. Essa é a filosofia do desporto nos EUA. De uma forma geral.

Não sei se está bem ou mal, mas foi assim que cresci e é assim que sou. E é isso que quase inconscientemente passo ao meu filho. Ainda no fim-de-semana passado tive essa conversa com o meu cunhado. A propósito dos X Games* que aconteceram na semana passada, comentei de forma séria que o meu filho iria ser o primeiro português a ganhar uma medalha de ouro nos X Games na categoria de skate. Não sei se me levaram a sério. Acho que não. Mas o que eu disse foi sério. Porque foi assim que aprendi a pensar. O meu filho faz 4 anos este ano. Mostra ter um jeito natural para skate. E a maneira como penso começa a ver-se nele. Na última ida ao skatepark, quis ir para uma rampa. Não era uma rampa qualquer. Uma rampa que até eu não conseguiria fazer. Uma rampa 5 vezes o tamanho dele. Foi difícil conseguir convencê-lo que ele ainda não está preparado para isso. Que é preciso ele treinar mais. E crescer mais. E que precisa de ajuda para isso. Na cabeça dele, ele consegue. Ponto final. Consegui demovê-lo. Por agora. Mas isto para mostrar o que a determinação e confiança fazem. E os americanos são exímios nisso.

Recentemente li um artigo interessante a propósito do Mundial de futebol 2014. Era sobre a selecção americana. Mais especificamente sobre uma das grandes falhas e handicaps da selecção de futebol dos USA: a dificuldade e imperfeição da simulação das faltas. O artigo explica como culturalmente o americano aprende que simular uma falta é sinal de fraqueza. Aliás, sofrer uma falta e ficar no chão a rebolar é sinal de fraqueza. Simulá-la é sinal de fraqueza e cobardia. Aprende-se que aguentar uma falta e não caír é sinal de valentia, bravura e força. E por isso, a selecção dos Estados Unidos estará sempre em desvantagem num desporto em que a simulação da falta faz parte do jogo e faz não poucas vezes a diferença entre ganhar e perder. Já vimos isso acontecer umas quantas vezes neste mundial, a começar logo pela penalidade do Brasil contra a Croácia. Eu cá gosto de futebol. Não sou de entrar em picardias da bola como muita gente que não percebe um boi de futebol. Gosto de futebol, como gosto de muitos desportos, mas gosto de ver um bom jogo. Jogado. Até ao fim. Sem faltas e faltinhas, e sem homens de 1.80m a rebolarem no chão como bebés agarrados às pernas quando mal lhes tocam. Gritam como crianças e arrastam-se pelo relvado de cara no chão como se lhes tivessem amputado uma perna a sangue frio. É triste. Mas é futebol. Não vejo isso noutros desportos. E muito menos vejo isso em atletas americanos. Que aprendem desde pequenos a jogar e nunca caír mesmo quando levam porrada a sério.
E ainda em relação ao Mundial, quando passaram um questionário em vários países a perguntar aos respectivos cidadãos quem é que achavam que ia ganhar a taça do mundo, a grande maioria das pessoas de vários países dividiam-se entre Alemanha, Brasil, Argentina, Espanha. Sabem o que responderam a grande maioria dos americanos? USA.

Eu cá, por exemplo, sou o unico do meu círculo de amigos e colegas que acha que Portugal vai ganhar. Não é ganhar à Alemanha. É ganhar o campeonato do mundo. Trazer a taça. E sem querer estou a passar essa forma de pensar e "jogar" ao meu filho. No skate, na bola, na vida. Acreditar que vai ganhar. Não que pode ganhar. Mas que vai ganhar. Lutar até ao fim. Acreditar. Nunca desistir nem jogar para empatar ou para o 2º lugar. A ser mais forte, mais rápido, mais resiliente. Não se fazer de coitadinho. Não enganar. E é assim que quero ver a minha selecção hoje. E é isso que eu quero que o meu filho veja hoje naqueles 11 portugueses em campo. Ou à americana, "Bring that fucking cup home already".

*Para quem não sabe, os X Games são uma espécie de jogos olímpicos de desportos de acção, e que incluem entre muitas modalidades o skate.

12/05/2014

QUEM É QUE QUER IR VIVER SOZINHO


Quando as pessoas me diziam "eles crescem tão depressa", não estavam a brincar. É que crescem mesmo. Ainda a semana passada dizia à minha mulher "vou ter saudades do miúdo nesta idade". Uma semana depois confirma-se. Tenho saudades de quando o meu filho era criança. É que agora com 3 anos e meio está já em plena adolescência. Tudo começou com a atitude de se fechar no quarto quando lhe chamo a atenção. E culminou esta semana com a seguinte conversa:

Eu_ "filho, ouviste a mãe? não voltas a fazer isso senão ficas de castigo, percebeste?"

Ele_ "Já não vou viver mais com vocês!" [vira as costas, braços cruzados e vai em direcção ao quarto]

Eu, com vontade de rir, mas sem me descoser_ "Não queres viver mais connosco? Então vais viver com quem?"

Ele, cheio de atitude e certeza_ "vou viver só-zinho".

Queres ir viver sozinho? Deixa cá ver:
  • fins-de-semana livres
  • noites descansadas em que durmo pelo menos 7 horas seguidas
  • sexo noutros sítios da casa sem ser na despensa. e sem interrupções
  • programas de televisão que não envolvam dinossauros híbridos, tartarugas mutantes ou monstros felizes
  • saídas à noite, concertos, cinema, jantaradas
  • comer uma refeição em paz sem nos levantarmos 10 vezes, sem dizer a palavra "come" 20 vezes, e sem apanhar metade da comida do chão.
  • abrir o frigorífico e tirar uma fatia de queijo ou presunto sem ser às escondidas
  • comer cajus sem ter de enfiar tudo na boca para ele não ver e pedir também
  • andar de carro sem ter de ouvir as mesmas músicas até à exaustão
  • andar de carro e poder dizer f#$a-se à vontade
  • tomar um duche sem ter alguém a defecar ao mesmo tempo e a dizer "já está"
  • conseguir sentar-me na sanita sem que entrem pelo WC adentro com uma bola e a chutem a 50 cm de mim direito à minha cara
  • dormir um sesta no sofá. sem ser em cima de animais extintos de plástico com chifres
  • andar descalço em casa sem espetar os pés em animais extintos de plástico com chifres
  • nunca mais ver animais extintos de plástico com chifres
Queres ir viver sozinho? Vamos procurar casa. Eu ajudo-te.

17/04/2014

NÃO É AMOR E UMA CABANA, É SEXO E UMA DESPENSA.


Sexo. Tão bom. E tão tabu ainda. Dá gosto falar. Dá ainda mais gosto fazer. Mas sexo quando se tem um filho de 3 anos em casa. Difícil. Muito difícil.

Quando um amigo uma vez me disse "pá, esquece lá isso. quando fores pai vais ver que durante uns tempos não se passa nada", achei ridículo. Disse-lhe basicamente "ahahah. arranja-se sempre maneira".
Em parte eu tinha razão. Temos arranjado sempre maneira. Mas porra que tem sido difícil. O que era espontâneo, livre e intenso passou a ser uma missão estratégica, calculada e vá, intensa. É quase uma operação militar. Daquelas ultra-secretas. Explico.

Antes de ter filhos é tudo às claras. É quando se quer, quando apetece, onde se quer, como se quer e durante o tempo que se quer. Basicamente o céu é o limite.

Depois de ter filhos, o limite está em todo o lado. E de repente é preciso uma estratégia. E aqui entra a táctica militar das forças especiais. Sexo passa a ser assim:

  • Primeiro passo é adormecê-lo. Parece fácil. Mas não é. Aliás, é das merdas mais difíceis que alguma vez tentei. Adormecer um puto de 3 anos devia ser um teste obrigatório para astronautas e assim. Já tentámos de tudo. Luzes apagadas, luzes acesas, ler histórias, com iPad, rezar, implorar, chorar. Só nos falta experimentar o livro "Go The Fuck To Sleep". A maior parte das vezes acabamos nós por adormecer na cama dele enquanto ele volta para a sala. Mas nas vezes que ele adormece, sinceramente, até me emociono quando penso nas vezes que o conseguimos adormecer.
  • Com ele a dormir passamos ao segundo passo. Esperar que ele entre em fase REM. Aquele sono profundo quando começam com aqueles espasmos na cara e os tremeliques nas mãos. Esta fase é importante, porque dá maiores garantias que o miúdo não acorda e se depara com os pais em pleno porno ou em cenas difíceis de explicar sem a ajuda de um livro de yoga. Então ficamos muito quietos na sala. TV em mute. As luzes todas apagadas. Muito quietinhos. À espera. Como dois ninjas. Até ao momento que tenho de me levantar para ir à cozinha e me esqueço que tenho os comandos da TV no colo. E espalham-se pelo chão da sala com um tremendo estrondo. Pilhas a rolarem pelo soalho. F#$a-se. A seguir acontecem uma de duas coisas. Ou ele acorda e voltamos ao 1º passo. Ou ele não acorda e seguimos com o plano. Enquanto as pilhas rolam pelo chão, esperamos pacientemente que elas parem e ficamos à escuta. Há um movimento no quarto dele. Mas continua a dormir. Ufff. Passamos à fase 3.
  • Nesta fase tentamos decidir o melhor sítio. Sentamos no chão com uma lanterna na mão e com uma planta da casa e estudamos as hipóteses. Tem de ser um sítio onde a probabilidade de sermos apanhados é menor. E que dê tempo de recompôr e disfarçar caso ele acorde e vá à nossa procura. Os primeiros sítios onde os putos procuram os pais quando acordam são o quarto dos pais, a sala, os wc e a cozinha. Então resta-nos a despensa, os roupeiros, a varanda ou terraço e a garagem. A varanda ou terraço dá visibilidade aos vizinhos. E apesar disso ser um turn on para alguns, não me apetece fazer shows públicos. Portanto, risca. A garagem significa que tínhamos de saír de casa e deixá-lo a dormir no quarto. Há quem faça coisas dessas, mas nós não. Por isso, risca. Sobra a despensa e os roupeiros. Como os roupeiros estão naturalmente cheios de roupa, dificulta a mobilidade. E como eu gosto de poder me mexer à vontade e à larga, risca. Sobra a despensa. Ora a despensa. A despensa é um sítio interessante. Depende de casa para casa, é certo, mas apesar de ser um sítio relativamente apertado tem prateleiras e caixas e cenas que o tornam interessante. A verdade é que quando chegamos a esta fase, sinceramente já me estou a cagar para isso. A nossa libido já acha tudo erótico.
  • E passamos à fase boa. Ora isto é tal e qual as missões secretas militares. Todas a fases em silêncio e modo stealth para culminar num ataque repentino, intenso e rápido. {err, calma, rápido entre aspas}. O rasgar da roupa, o frenesi, a respiração ofegante, tudo com pausas a cada 2 minutos para tentarmos perceber se ele continua a dormir. Qualquer som põe-nos em estado de alerta: tum, tum, tum... -"espera, pára... tás a ouvir?" -"Estou. Parecem passos... Ah, não, esquece. É o meu coração a bater". E recomeça o frenesi. Ah, e orgasmos são um problema. Parece mentira eu estar a escrever uma coisa destas. Mas são. Por isso é sempre bom ter um pano à mão para tapar a boca na altura. Mais um ponto a favor da despensa. Normalmente há panos à mão. 

É assim. Sexo quando se tem um filho de 3 anos em casa. Giro, né. Não é coisa que se fale muito por aí. Como se os pais fossem seres assexuados. Mas não somos. Muito muito longe disso. Portanto agora expliquei eu. Adormeçam-nos. Tenham a certeza que eles dormem. Encontrem uma despensa. E tenham um pano à mão.

Façam o que fizerem, sejam criativos. Mas não deixem de o fazer. Make love people.

09/04/2014

"IT WAS THE BEST THING THAT EVER HAPPENED TO ME"

O Dr. John Kitchin era um neurologista. Era.
Tinha uma mansão, um ferrari, dinheiro. Uma carreira de sucesso enquanto médico. Isso era antes.
Hoje é feliz.

{para quem conhece San Diego e o sul da Califórnia, é fácil perceber como se chega a uma decisão destas}



Realizado por Josh Izenberg. E uma macheia de prémios.

18/02/2014

"VAI-SE ANDANDO"



De vez em quando deparo-me com gente que me emociona até aos ossos. É o caso do Steve Fugate. Conheci o Steve através de um realizador/surfista que sigo e por quem tenho a maior admiração que se chama Cyrus Sutton*. O Cyrus recentemente documentou a viagem de Steve Fugate. Um pai que perdeu os dois filhos e que está a caminhar há 14 anos e há mais de 50,000 km em busca de cura e paz interior. E ao mesmo tempo ajudar outros a sararem os corações partidos. Já aqui escrevi uma vez sobre o que acho que deve ser perder um filho. Mas é só o que acho. Porque nem consigo sequer imaginar. E nem quero, como aqui já disse antes. Este pai perdeu dois. Os seus únicos dois filhos. Em dois momentos diferentes da vida. Perdeu tudo portanto. Sem mais nada para perder, fez-se à estrada. A pé. Carrega a "casa" consigo. E um sinal. A dizer LOVE LIFE em letras grandes. Pelo caminho, vai partilhando a mensagem com aqueles que se cruzam com ele. É um exemplo incrível de sobrevivência. Porque é isso que eu chamo à vida depois de se perder os únicos filhos que se tem. Sobrevivência. O Steve é um sobrevivente. Que no meio da escuridão consegue ver a luz. Ficaram-me algumas das frases dele. Umas ajudam-nos a perceber o que realmente importa na vida. Outras emocionaram-me até aos ossos.

Sinceramente não sei até quando o Steve vai caminhar. Ele diz que também não sabe. Diz que só vai parar quando conseguir o que quer. Mas quando lhe perguntam o que é que ele quer, ele responde que "só sei quando o conseguir". Até lá ele vai andando. Que é o que resta fazer quando se perde os únicos filhos que se tem. Acho eu. Vai-se andando. Como ele diz, "Quando perdi o meu filho, esqueci todos os outros planos que tinha. (...) Portanto, ando."

Espero sinceramente que o Steve consiga o que quer. E que pelo caminho consiga ajudar todas as pessoas com corações partidos.
Eu, bom, eu espero não ter nunca de caminhar o caminho de Steve. Mas se eu o visse, dava-lhe um abraço. Porque tenho orgulho nele. De me fazer acreditar que afinal a humanidade não está perdida. E de perceber o ridículo que é dizermos "vai-se andando" quando nos perguntam como é que estamos. É coisa que espero nunca dizer.

"A minha fé é sarar o coração partido enquanto ele ainda bate. É o que eu quero fazer."
- Steve Fugate

Para ver o caminho do Steve é clicar aqui.


*Nota: Cyrus Sutton é um realizador incrível e um surfista notável. Um homem DIY. Ganhou um Emmy pelo documentário The Next Wave: A Tsunami Relief Story. É autor do blog regressing forward e criador do site Korduroy TV. Cruzou-se com o Steve à beira da estrada na California no ano passado, um dia depois do natal. E fez esta curta. Thanks Cyrus for sharing. 

20/01/2014

LIFE ROLLS ON


Adoro skateboarding. Ando desde pequeno. Entrou na minha vida antes do surf. Em 1980. Nos States. Tinha eu 5 anos. O skate era de um amigo. Era vermelho e fininho, tal como os skates eram nessa altura. Meti-me em cima dele sozinho e comecei logo a rolar devagarinho à primeira sem caír. Nesse mesmo dia fui ganhando cada vez mais confiança. E andando cada vez mais rápido. Até que me espalhei ao comprido. E aprendi a minha primeira lição. A primeira que o skate me ensinou. Porque quase tudo o que precisamos de saber na vida, o skate ensina. Ensina-nos a ter equilíbrio. Ensina-nos que alguma vez vamos ter de caír. Que é inevitável. E que temos de nos levantar. Que se desce mais rápido do que se sobe. Descer é fácil. Subir custa mais. Que às vezes temos que nos empurrar para andarmos para a frente. Que é importante ter um pé à frente e outro atrás. Ensina-nos que confiança, determinação e commitment nos levam longe. Mas que confiança a mais nos pode levar ao chão num abrir e fechar de olhos. Ensina-nos que os obstáculos fazem parte da vida. Mas que servem um propósito. E que podem ser divertidos. Se os encararmos como um desafio. Se os soubermos contornar e ultrapassar. E que o conseguimos. Com equilíbrio, confiança e determinação. Com commitment. Mesmo que para isso seja preciso cair algumas vezes. Ensina-nos que não devemos parar. Que devemos continuar a rolar pela vida fora. Às vezes mais depressa. Outras vezes mais devagar. Umas vezes focados com os olhos na estrada. Outras vezes mais descontraídos a apreciar o vento na cara. E que o vento na cara sabe a liberdade. E que a liberdade nos faz feliz. E isso é o que procuramos na vida.

Pus o meu filho em cima de um skate com 2 anos. Hoje com 3 ele já anda. Já aprendeu algumas lições. Mas ainda tem muitas para aprender. Tem a vida toda pela frente. Ele ainda não o sabe. Mas tudo o que ele vai precisar de saber na vida, ele já está a aprender. Em cima de um skate. Porque parece que estou só a ensiná-lo a andar de skate. Mas o que estou a fazer é ensiná-lo a viver.

Música aqui.

*Nota: Commitment não tem propriamente uma palavra equivalente em português. É mais que compromisso. É empenho. É determinação. É dedicação. É vontade. Tudo numa só palavra.




11/12/2013

PAIXÃO COM PAIXÃO SE PAGA


Adoro ver gente apaixonada. A paixão é o que move este mundo. Estou convencido disso e não vale a pena dizerem-me o contrário porque não acredito noutra coisa. Sou teimoso. E sou por natureza uma pessoa com muita paixão. Não sei fazer as coisas doutra maneira. Sou assim em tudo. Amo de forma apaixonada. Corro de forma apaixonada. Faço surf de forma apaixonada. Escrevo de forma apaixonada. Sou pai de forma apaixonada. Discuto de forma apaixonada. Sou assim. Para o melhor e para o pior. Não acredito em meio termos. Comida insossa não me satisfaz. Gosto de tempero. Quem me conhece já sabe o que a casa gasta. Quem não me conhece não sabe o que lhe espera. É assim. Ou sopas. Que por acaso também gosto com muito tempero. Com esta paixão toda vem uma factura. Espero paixão dos outros. Sempre. Sofro apaixonadamente. Zango-me apaixonadamente. Desiludo-me apaixonadamente. Tudo para mim é um acontecimento épico. Recentemente passei por uma desilusão de dimensões épicas. Desiludi-me e entristeci-me tão apaixonadamente que ainda hoje tenho ecos disso no peito e na cabeça. Mas gosto de ser assim. Faz de mim quem sou. O meu filho é assim também. Apaixonado pelas suas coisas. Apaixonado nos seus abraços. Apaixonado nas brincadeiras. Apaixonado nas birras. Apaixonado para o melhor e para o pior. Gosto dele assim. No meio disto tudo, nós entendemo-nos. Brincamos apaixonadamente. Rimos e choramos apaixonadamente. Dançamos e cantamos apaixonadamente. Vivemos apaixonadamente. Entendemo-nos nas nossas paixões. Por isso quando me desiludi recentemente de forma épica e apaixonada e o meu filho me viu no meu drama pessoal, olhou-me nos olhos e perguntou "tás triste pai?" e de forma apaixonada abraçou-me e ficou a fazer-me uma festa no cabelo. Com 3 anos ele percebe-me. A paixão com paixão se paga.

10/12/2013

COMO TER UM FILHO EM 3 PASSOS DIFÍCEIS. PASSO 3: O PARTO E O RESTO


O parto. Ah, o parto. Hoje em dia é um evento familiar. Mãe a soprar e a fazer força enquanto agarra a mão do pai. Pai de bata hospitalar a tentar filmar o acontecimento sem desmaiar. Equipa médica concentrada mas de sorriso a ajudar o mais novo a vir cá pra fora da melhor maneira possível. Sai o bebé e colinho da mãe com ele, ainda cheio de nhanha e tudo. Mãe de lágrimas nos olhos com a sua cria deitada no peito. Pai pálido filma o momento. Ah, o parto. Nos filmes é assim. Mas sabemos bem que na vida real não rola bem desta maneira. O nosso filme então foi bem bem diferente. O que nos leva para o 3º e último passo de como ter um filho em 3 passos difíceis. O nosso filme rolou assim:

Passo 3: O parto e o resto.

Arranquei logo que recebi a chamada da minha mulher a dizer que se estava a esvair em sangue, que a equipa médica não conseguia parar a hemorragia e que tinham de tirar o meu filho já. Para salvar a sua vida e a da mãe. Estava ela com 7 meses de gravidez. 32 semanas para ser mais exato.
Estacionei no primeiro lugar que me apareceu. E caguei para o ticket de estacionamento. Não tinha tempo para a EMEL. Entro na MAC e pergunto por ela. Olho para a cama onde ela costumava estar e estava vazia. Já sem lençóis e sem nada. Uma auxiliar entrega-me dois sacos pretos enormes cheios com os pertences da vida dela na MAC. Telemóvel, roupa interior, pijamas, laptop, DVDs, garrafa de água, diário, agenda, auricular, carregadores, fotografias. Todo o "mobiliário" dos últimos meses. A auxiliar leva-me até à porta do bloco operatório onde o milagre estava a acontecer. E ali fico. À porta, sozinho, sentado, com 2 sacos pretos enormes. Ninguém mais estava lá. Só eu. E o meu coração a bater na garganta.

Até que sai uma médica pela porta. Não tinha mais de 35 anos. Ou então estava muita bem conservada. Pára e olha para mim. Tira a máscara e aproxima-se com cara séria. Eu levanto-me e ela pergunta-me "é o pai?". Eu respondo que sim, sou. Ela sem nunca tirar a poker face estica-me a mão e diz "parabéns, tem ali um belo rapaz". Confesso que me caíram as lágrimas. Ela diz-me "só um bocadinho que a enfermeira já fala consigo". E foi-se. Passado 1 minuto, saíram pela porta os restantes médicos. Eram uns 3 ou 4. Já não me lembro bem. Todos eles passaram, deram os parabéns sem parar e seguiram pelo corredor na conversa. Eu e os meus sacos ficámos ali à espera em pé, olhos fixados na porta. Ao que sai uma enfermeira com um bebé nos braços. Chega ao pé de mim e conheço o meu filho pela primeira vez. De todos os momentos mais emocionais que tive na vida, este foi sem dúvida o mais emocional. "É o seu menino" diz ela. "Parabéns pai. Correu tudo bem. Nasceu com Apgar 9, pai". Enquanto ela falava eu não tirava os olhos dele. Queria abraçá-lo mas não podia. Eu tinha acabado de vir da rua, não estava desinfetado e ele estava fragilizado com as suas 32 semanas de vida e 1,9 kg de peso. Mas os meus olhos e a minha alma abraçavam-no e não o largavam. Era tão parecido comigo que fazia impressão. Só que com menos cabelo e sem barba. Lembro-me que tive uma sensação incrível, como se me estivesse a ver a mim próprio quando nasci. Uma espécie de déjà vu. Diz a enfermeira "peço desculpa pai, mas tenho de o levar já para os cuidados intermédios. Depois pode lá ir ter para vê-lo. A sua mulher está a recuperar da anestesia e já a pode ver daqui a um pouco. Aguarde só um pouco". E seguiu com o meu filho pelo corredor a caminho da Unidade de Cuidados Intermédios. Fico ali. Os sacos e eu com lágrimas nos olhos. Ao que passados uns 5 minutos aparece uma enfermeira à porta com a minha mulher deitada numa maca. Vou direito a ela, dou-lhe um beijo e digo-lhe que a amo. Que é a mulher mais corajosa que conheço. E que correu tudo bem e que já vi o nosso filho. Ela ainda com a moca da anestesia geral, pergunta-me onde ele está. Eu explico-lhe que foi para a UC Intermédios mas que está tudo bem. Ela pergunta-me se ele é bonito. Eu digo-lhe que é de certa forma parecido comigo. Ela grita "O MEU FILHO É LINDO" a chorar e ainda drogada. A enfermeira interrompe dizendo que a tem de a levar para a sala de recuperação, que ela ainda está muito fraca. Tinha perdido muito sangue e ainda estava a sair do efeito da anestesia geral. E enquanto a enfermeira empurra a maca pelo corredor fora vou ouvindo a minha mulher a gritar pelo hospital "O MEU FILHO É LINDO". Já tinha virado a esquina no fundo do corredor e eu ainda a ouvia. Foi das cenas mais lindas e hilariantes que vi na minha vida.

Vou a correr com os sacos atrás, direto para a UC Intermédios. Quando chego lá, já o meu filho estava na incubadora. Tubo no nariz, a dormir de barriga para baixo. E tirei-lhe a primeira foto. Fico ali. Apaixonado a olhar para ele. Cara grudada no vidro da incubadora como os putos fazem quando vão ao Oceanário.

Nota. As primeiras fotos na Unidade de Cuidados Intermédios




Entretanto a minha mulher recuperava da cirurgia e da anestesia geral. Tinha perdida muito sangue e portanto estava muito fraca. Só 6 horas depois é que teve autorização para ser levada de cadeira de rodas para ver o nosso filho pela 1ª vez. 6 horas depois ainda não tinha conhecido o filho. Lá foi ela no seu primeiro date com o Santiago. Não posso sequer imaginar o que sentia a caminho dos cuidados intermédios nem o que sentiu quando o viu pela primeira vez, sem poder agarrá-lo ou abraçá-lo. Ela já me tentou explicar. Mas faltam-lhe as palavras. Porque acho que não devem ter sido ainda inventadas. A meio da visita desmaiou. Estava ainda muito fraca. E foi levada de volta para a sala de recobro. No dia seguinte chego à MAC, bom dia e tal e vou direto à UC Intermédios. Chego lá e peço para ver o meu filho. A auxiliar vai à incubadora do meu filho e diz que ele já não está lá. Que tinha sido transferido para a UCI (Unidade de Cuidados Intensivos). Foi um soco no estômago. Perguntei o que se tinha passado. Ele diz que a médica já fala comigo. Então parece que os pulmões ainda estavam pouco maduros e não conseguia manter a respiração sem ajuda. Além disso, o peso dele tinha descido substancialmente porque ele não comia. Fui vê-lo à UCI. A UCI da MAC é incrível. Moderna e com uma apertada vigilância e monitorização 24 horas por dia. E lá estava ele. Todo entubado. Atado para não se mexer. Máscara de oxigénio na cara. Tubos no nariz e na boca. Sensores colados por todo o corpo. Agulhas espetadas nos braços minúsculos. Alimentado por um tubo pelo umbigo. Ainda hoje o meu coração aperta cada vez que me lembro do meu filho tão pequeno assim naquele estado. E eu sem poder fazer nada. O sentimento de impotência é avassalador. É contranatura. Então para colmatar a minha impotência, enchi o peito de fé, esperança e amor. E era o que eu lhe trazia todos os dias. Todos os dias lhe falava e dizia que tinha muito orgulho nele. Que ele era a pessoa mais corajosa do mundo. Que era o mais forte. E que eu e a mãe estaríamos sempre lá para ele. Tudo isto ao som dos beep-beep do monitores e do swoosh-swoosh do ventilador que lhe dava o oxigénio para ele respirar. Odiava aqueles sons. Ainda hoje quando os ouço só me lembro disso. Eu tornei-me especialista em ler valores nos monitores. Sentava-me lá ao lado e ficava a olhar ora para ele ora para os valores do monitor. Cada vez que os valores de O2 passavam abaixo de determinado limite que para mim era razoável, lá estava eu a chamar a médica. Fiz marcação cerrada à puta daquela máquina. E assim formam os dias seguintes.

Nota. Fotos da estadia nos UCI





Passados uns dias a minha mulher teve alta. Finalmente. Depois de semanas a fio internada podia sair. Quando entrou era verão. Fazia calor. E agora que ia sair, já o frio apertava. Mas ela pouco saboreou a saída. Porque o nosso filho ia ter de ficar. E já é difícil imaginar o que será para uma mãe ter um filho, completamente anestesiada, sem assitir a nada, ficar sem ele sem nunca o ter visto depois de ele ter nascido durante 6 horas. O difícil que será ficar acamada num quarto rodeada de mães com os seus filhos recém-nascidos ao colo e ela ali sozinha com o filho enfiado numa incubadora enrolado em tubos na UCI. Mas ter de sair daquele hospital e deixá-lo ali.... Voltar para casa sozinha comigo sem o nosso filho. Foi tremendo. Nunca vou esquecer os olhos dela enquanto voltávamos para casa. Há pouco tempo vi um video de um caso mais ou menos idêntico ao nosso, e há uma parte em que o marido filma os olhos da mulher quando voltam para casa sem o filho. E eu revi aquela cena exatamente.

E a nossa rotina continuava. Casa-MAC-casa. Tirei os dias a que tinha direito e passava os dias lá com minha mulher. Entretanto ele começa a melhorar. Começa a ganhar cada vez mais força e peso. E é finalmente transferido novamente para a UC Intermédios. E aqui fica durante mais alguns dias.

Nota. As fotos do regresso à Unidade de Cuidados Intermédios.




Passados alguns dias, ele é transferido para o Berçário. Acabou-se a incubadora. Acabaram-se os tubos, máquinas e monitores. Já tinha ganho peso e força suficientes para estar finalmente com os outros bebés. Antes ainda vi uma enfermeira tentar lhe tirar sangue para análises. Mas não encontrava a veia. Espetou-o em 4 sítios diferentes nos braços sem sucesso. Teve de lhe tirar o sangue pelo pé. Cada vez que ela espetava a agulha o meu coração rasgava. Mas estes putos são qualquer coisa de extraordinário. Incrível a resiliência e força deles. São mesmo uma força da natureza.

Agora já no Berçário as rotinas eram outras. Banhos já eram dados pela mãe (eu não dava porque adorava ver  a felicidade e amor estampados no rosto da minha mulher ao lavar o filho num recepiente do tamanho de um tupperware). O leite também já era dado pela mãe. Aconchego e colo. Palmadinha nas costas para o arroto da praxe. Tudo a que tinha direito. E assim foi até dia 15 de novembro. 20 dias depois de ter nascido. Conseguiu chegar ao peso mínimo aceitável para ter alta e foi o 1º dia que o levámos para nossa casa. O entusiasmo de levarmos a mala com a primeira roupinha que ele ia usar é difícil de pôr em palavras. Nunca vou esquecer a cara da minha mulher a fazer-lhe a mala. Foi um dos dias mais felizes das nossas vidas. Estava um frio de rachar lembro-me. Mas o calor que trazíamos no nosso peito era suficiente para aquecer toda a Lisboa.

E assim se fez um filho em 3 passos difíceis. Foi uma aventura do caraças. Um carrocel de emoções. Uma monumental tareia emocional. Podia ter sido muito pior é certo. E todos os dias agradeço a sorte e felicidade de ter corrido como correu. Todos os dias sinto-me abençoado. E sei que Deus esteve do nosso lado. A cada passo. Se podia ter sido mais fácil? Podia. Mas não era a mesma coisa.

E agora que estive a relembrar e a recontar toda esta história, quero agradecer:
  • a toda a equipa da MAC (médicos, enfermeiros, auxiliares e seguranças) que foram a nossa família durante aqueles meses. Aos médicos e enfermeiros por nunca terem desistido de nós nem de ninguém que lá estava.
  • às mães que lá estavam pelo apoio mútuo e pela partilha de fé, esperança, amor e histórias.
  • à minha mulher por ser a mulher mais corajosa, determinada e forte do mundo. És a melhor mãe do mundo e uma mulher do caraças. E ainda diz que passaria por tudo outra vez.
  • e ao meu filho, por nunca ter desistido, pela resiliência, pela força, por me ter ensinado o que é lutar pela vida sem nunca baixar os braços. Acho que ainda não tens bem noção, mas és o meu herói.


Só mais uma palavra à EMEL, pela multa que me deram à frente da MAC e que mesmo depois de eu ter explicado toda a situação, mostraram inflexibilidade e intransigência: ide para a puta que vos pariu. Não paguei a multa nem pago, que a esta hora já prescreveu.

06/12/2013

COMO TER UM FILHO EM 3 PASSOS DIFÍCEIS. PASSO 2: A GRAVIDEZ


A gravidez. São 9 meses. Ou 40 semanas. É uma experiência única e plena dizem algumas. Outras torcem o nariz quando se lembram do peso a mais, da dieta, dos diabetes gestacionais e dos pés inchados. Muitas fazem as aulas pré-parto. E a mala com umas mudas de roupa no dia que as contrações e dilatações começam a dar um ar da sua graça.

Para nós não foi bem assim. E assim passamos ao 2º passo de como ter um filho em 3 passos difíceis.

Passo 2: A gravidez.

As primeiras 20 semanas foram excelentes. Normais. Deu para fazer uma viagem a Veneza juntos e tudo. E ainda deu para tirar fotos giras. Até uma daquelas da praxe com as mãos a fazerem um coraçãozinho por cima do ventre. Também gostamos de ser pirosos de vez em quando.
Depois houve a hemorragia. E eu em viagem fora do país. A chamada chegou assim: "Não te preocupes. Estou internada porque tive uma hemorragia, mas está tudo bem com o bebé." Estava eu no aeroporto de Heathrow. Fui a um café, pedi uma água e mandei um ansiolítico para dentro. Depois a tortura de fazer a viagem de Londres com o telemóvel desligado. Cheguei a Lisboa, agarrei no carro e fui direto para o hospital. O diagnóstico: placenta prévia total. O prognóstico: internamento até ao nascimento do filho. Acamada. E sem se mexer durante o máximo tempo possível. Parto natural é pra esquecer. Vai ter de ser cesariana. Transferência para a MAC (Maternidade Alfredo da Costa).
E assim começou a 2ª metade da gravidez. A MAC foi a nossa casa durante os meses seguintes. Eu fazia casa-trabalho-MAC-casa sozinho todos os dias. A minha mulher acamada a tempo inteiro no hospital. Lavava-se como os gatos. E tinha arrastadeira debaixo da cama e tudo. Nível. As contrações eram monitorizadas a cada hora. E durante semanas foi assim. Saía do trabalho e ia direto para a MAC. Comprava-lhe um snickers, um croquete e uma garrafa de água de 2 litros no café e levava-lhe. Ficávamos ali na conversa até à hora de jantar. Era um dormitório para 8 camas. Estavam lá mais 7 mulheres. Todos casos idênticos. Alguns piores. Havia 2 televisões. Uma para 4 mulheres num lado do quarto. E outra para as outras 4 do outro lado do quarto. Estão a ver né. 2 TVs com 2 comandos para 8 mulheres. Todas grávidas. Era uma catástrofe à espera de acontecer. Havia mais tensão ali dentro do que na faixa da Gaza. Depois eu saía, ia comer qualquer coisa, passava no McDonalds do Saldanha e comprava-lhe um Menu Big Mac. Entrava com aquilo de surra e passava-lhe como se estivesse a visitar alguém na prisão. Deliciava-me a vê-la comer o hamburguer enquanto olhava por cima do ombro para ver se a auxiliar andava fazer a ronda. Épico. Mas depois o vazio. Sempre que chegava a hora de me ir embora. Voltar para casa sem ela e sem o meu filho não era voltar para casa. Mas assim era. Todos os dias voltava para casa mas sem voltar para casa. Até dia 27 de Outubro. Nesse dia recebo a chamada no trabalho. "Estou a ter uma hemorragia e não pára. Vão me levar para o Bloco agora. Ele vai nascer".

Nota. A última foto é do último Big Mac que ela comeu na noite antes do meu filho nascer. Vejam o prazer dela a comer. Fantástico.








05/12/2013

COMO TER UM FILHO EM 3 PASSOS DIFÍCEIS. PASSO 1: FAZÊ-LO


Ter um filho. Parece fácil. Umas velas, CD da Sade, garrafa de pinot noir. Ou então um capot de um carro numa noite de verão. E pronto. É esperar 9 meses e voilá. Fácil, né?

Nope. Nem por isso. Sim, felizmente para muita gente ter um filho é quase assim tão fácil. O maior contratempo é falhar no signo que se quer para o filho por apenas 2 dias, os quilos a mais que teimam em ficar ou a decisão de epidural ou não na hora H. Mas a verdade é que nem sempre é assim.

Para nós não foi bem assim. Durante os próximos 3 posts, vou explicar como é que se tem um filho em 3 passos difíceis. Vamos lá pelo princípio.

Passo 1: Fazê-lo.

Ah. A parte fácil e fun disto tudo, né. Basta deixar de tomar a pílula e cá vai disto. Nah. Isso assim era fácil demais. E não, não foi com CD da Sade, nem do Barry White. Não houve nenhuma garrafa especial de pinot noir reservada. Foram dias e noites a fio nisto, senhores e senhoras (yehaaa). Passou-se 1 mês, 2 meses, 3 meses, 4 meses... 1 ano, 1 ano e 1 mês, 1 ano e 2 meses... Epá, eu sinceramente perdi-lhe a conta. Nos primeiros tempos não se liga. Depois devagarinho começa-se a pensar "será que está tudo bem". Depois volta-se a tentar abstrair e a não pensar no assunto. Depois experimentam-se chás, vitamina E, barbatana de tubarão e rezas. Porra, se eu não o quisesse vinha de mão dada com a cegonha bater-me à porta. Pelo caminho experimentámos todas as posições possíveis e imaginárias. No princípio porque somos kinky. Mas depois já era para tentar encontrar a posição ideal para a fecundação. Tudo o que é de pernas para o ar é o ideal diz-se. Ainda bem que faço yoga, é o que tenho a dizer. Depois sempre que encontramos alguém conhecido na rua, lá vem a puta da pergunta "então e filhos, não vêm", "para quando um bebé", "já estão casados há 1 ano", "se começam a pensar muito depois nunca mais", "vá, só faltam vocês".
Epá, obrigado pela preocupação e pelas palavras de motivação. Sério. A todos. Mas f#$*-se, acham mesmo que preciso de motivação para fazer um filho com a minha mulher? O que eu preciso é que os meus espermatozóides deixem-se de merdas, encontrem o óvulo dela e entrem lá de uma vez por todas. Sem cerimónias nem "com licença". Ou então que o óvulo dela deixe de se fazer de difícil. Isso é o que preciso. Agora preciso lá de "então e filhos?" ou "vá, vamos, força que eles não aparecem sozinhos".
Depois de muita tentativa, muitos testes de gravidez, reclamações dos vizinhos e com ajuda divina: o resultado positivo. Recebi a notícia através de um gorro de bebé a dizer "I Love Dad". Foi um dos momentos mais felizes da minha vida. Finalmente podia descansar. E os vizinhos também.
Foi fun, lá isso foi. Mas fácil é que não foi. Agora experimentem lá perguntar-me "então e pra quando o segundo", que eu já vos atendo.