11/02/2014

SOMOS O QUE COMEMOS


Ontem tive uma conversa interessante com o meu filho sobre comer animais. Quando o vou buscar à escola e voltamos para casa, no caminho costumo lhe contar como foi o meu dia, o que fiz e o que almocei. Depois pergunto-lhe como foi o dia dele e o que ele almoçou. Ontem ele não estava para grandes conversas e portanto não lhe apetecia dizer o que almoçou. Respondeu "pão" naquela de me despachar. Tipo "deixa cá responder qualquer coisa a este gajo para ele não me chatear mais". Mas eu tenho o hábito de surpreender o meu filho com saídas inesperadas que dão lugar a conversas profundas. Mesmo quando não lhe apetece falar. E então a conversa seguiu-se assim:

Eu_ "só pão? pão com quê?

Ele_ "pão já disse"

Eu_ "Com gafanhotos?"

Ele_ "Gafanhotos?!" [cara de choque] "Quê?!"

Eu_ "Sim gafanhotos. Ou foram ratos?"

Ele_ [ainda em choque] "Ratos?!" [agora zangado] "Isso são animais! Animais não se comem!"

Eu_ "Não se comem? Achas que os animais não se comem?"

Ele_ "Claro que não! Depois ficam sem cara" [extremamente zangado]

Eu percebo o ponto de vista dele. Eu acho que ele ainda não percebeu que a carne e o peixe que ele come foram animais vivos outrora. Quando lhe aparecem no prato, não têm cara. Vêm em forma de bife cortadinho e douradinhos. Interiorizar que ele come animais, mexe com uma data de coisas que ele ainda não percebe. Ele só tem 3 anos. Habituou-se a ver ratos, vacas, cães, porcos, peixes e todos os animais com cara e personalidade. O Nemo, o Ratatouille, o rato Renato, a porca Pepa, a vaca que ri. Tudo animais com cara e personalidade. Comer animais é uma espécie de canibalismo no imaginário dele. Prontamente repudiado.

Bom, mas a conversa continuou e acabámos com algumas conclusões importantes. As aranhas não se comem porque picam. Mas teias de aranha já se podem comer. Essas não fazem mal. E as formigas também se podem comer porque não têm cara. Animais definitivamente não. Têm cara. Ovos também não. Têm pintinhos lá dentro.
Portanto, resumindo: nuggets não são de frango. São nuggets. Carne é de bife e não de vaca nem de porco. Frango não é galinha. O peixe que comemos é de pescada e de douradinhos e não dos peixes que estão a "dormir" nas bancadas da peixaria. Ovos que se comem são os de chocolate que trazem um brinquedo lá dentro.

Obviamente tudo isto tem de ser revisto mais lá para a frente. E das duas, uma. Ou vai interiorizar isto tudo muito bem, ou vamos ter um vegan em mãos. Mas por agora, com 3 anos, está muito bem assim. O que tem cara não se come. E ainda bem. Assim não corro o risco de ele querer comer caras de bacalhau. Odeio caras de bacalhau.

10 comentários:

  1. ahaha Adoro a inocência das crianças, apesar de serem muito pequeninos pode-ser ter conversas bem interessantes e intuitivas com eles. A forma como deu a volta à conversa foi brilhante. =)

    Andreia
    http://pontofinalparagrafos.blogspot.pt

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  2. Gosto do principio...o que tem cara não é para comer :)

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  3. Adorei este texto, fartei-me de rir eheh
    É tão engraçado ver a perspetiva das crianças :)

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  4. rrss rrsss

    O seu filho está na linha do general De Gaulle, que quando lhe davam galinha a uma refeição perguntava se era uma das da casa, porque "animais conhecidos, não se comem!"

    Beijinhos para ele e um bom serão para si.

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  5. Parece-me justo, o que tem cara não é para comer!

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  6. A expressão do teu filho está fantástica. Ele vai ter tampo para perceber tudo e assimilar as coisas com naturalidade. A tua postura parece-me adequada.

    homem sem blogue
    homemsemblogue.blogspot.pt

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  7. Nunca ultrapassei esse complexo. Para mim, quase com 40, vaca é no prado, bife é no talho. Não existem cá misturas.

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