25/03/2015

EM PAZ


Ontem estava em Barcelona quando de manhã soube que um avião tinha caído. Saído de Barcelona. Como ia regressar a Portugal passadas umas horas mandei mensagens a quem devia avisar: "caiu um avião que saiu de Barcelona mas não foi o meu e eu estou bem". Parece estúpido, mas essa mensagem poupou algum stress a quem a recebeu e que ainda não tinha visto a notícia. A mim, o stress e a tristeza abateram-se como uma avalanche. Stress porque ia viajar dentro de algumas horas. Tristeza ao imaginar as pessoas que caíram com o avião e as famílias que nunca mais as poderão segurar. Olhei para a meteorologia no iPhone. Vi que ia estar uma ventania do cara#*$%. Já sabia que ia levar uns abanos de Barcelona a Lisboa. Segurei-me à ideia da probabilidade de caírem 2 aviões saídos de Barcelona no mesmo dia. Seria a mesma de alguém ganhar o Euromilhões 2 vezes na mesma semana. Ainda assim, engoli um ansiolítico. E engoli em seco. 
Quando entrei no aeroporto em Barcelona, estava um silêncio estranho. Caras sérias. Tensas. A contrastar com o normal movimento e barulho da excitação de viajar que se encontra nos aeroportos. Tentei abstrair-me do que se tinha passado. Mas não deixava de pensar nisso. Antes de embarcar liguei à minha mulher e tentei falar como se não fosse a última vez. "Até logo" e "comprei uma coisa para o miúdo" e foi assim que desliguei. Olhei para as fotos do meu filho. Revi alguns dos vídeos. Fui dos últimos a entrar no avião. Quando cheguei à porta fiquei parado a olhar para os pés. Não me lembrava se costumava entrar com o pé direito ou esquerdo. Até porque nunca dei importância a isso. Mas agora parecia uma decisão crucial. Que se lixe. Entrei ao calhas e cumprimentei a tripulação. Sorriram mas os olhos mostravam outra coisa. Mostravam o mesmo que os meus. Apreensão. Sentei-me no meu lugar e tentei pensar em tudo menos no que estava a pensar. Na fila da frente, um indivíduo de turbante a rezar. Eu só esperava que as rezas dele fossem para chegarmos todos sãos e salvos e não para se encontrar com Alá e as virgens depois de mandar esta merda toda pelo ar. A viagem começou bem. Levantou bem, alguma turbulência pelo caminho mas nada que me fizesse cravar as unhas no banco da frente. Quando estamos a chegar a Lisboa, um vento filho da puta como nunca. O que em inglês se chama "devil wind". O avião ia a dançar o Vira por cima de Lisboa e da Segunda Circular. Lembrei-me das vezes todas que me chateio com o trânsito de Lisboa. Da merda que tenho de aturar no trabalho. Das vezes que me irrito porque o miúdo não come. Ou porque esqueci-me da mochila em casa com o equipamento para a fisioterapia. Ou da vontade que tenho de abalroar os carros que estacionam em cima das passadeiras só para ficarem em frente à porta do café para beberem a puta da bica de manhã. Ou o impulso que tenho de agarrar pelos colarinhos aquela inflexível monte de bosta que trabalha no balcão da Segurança Social.

E enquanto o avião abanava a cauda como a Beyoncé faz o twerk, eu lia repetidamente uma frase da revista que tinha ao colo. Era uma reportagem de uma viagem de surf que o Dane Reynolds tinha feito a Marrocos e que em conversa com um marroquino, o tipo diz-lhe "when the world ends we will all be gone, so we should just live in peace".

Cheguei bem. O meu filho correu-me para os braços no aeroporto como se eu tivesse chegado duma expedição à lua. Estou em paz. E é assim que devíamos ficar enquanto cá andamos. "When the world ends we will all be gone, so we should just live in peace".

17 comentários:

  1. Isso. Em paz. Faz-nos falta a todos, que vivemos a vida a mil, sem perceber o que é importante.
    Bom texto. Respect.

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  2. Como de costume, adorei a partilha.

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  3. Eu acho que tinha vindo de comboio, de camioneta até a correr seria uma hipotese..... só de imaginar o ambiente do aeroporto..... dizem que é a forma mais segura de viajar.... mas que mete medo, muito medo, lá isso mete!!!!!

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  4. É pena não nos lembrarmos disto a toda a hora. Fico lixado com a facilidade com que a minha vida se deixa dominar por causa de uma merda de uma apresentação que não fiz em condições ou por causa de uma qualquer frustração que não passa de "White people problems...".

    Textaço.

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  5. Fazia muitas viagens de Lisboa para Barcelona e vice versa. Havia sempre muita turbulência. Uma vez uma senhora no banco da frente começou a gritar de terror enquanto se agarrava ao marido, e eu ali sozinha pensava em quem me podia agarrar se aquela geringonça se despenhasse. Agarrei-me à fé e pensei que era impossível um avião cair na Europa. O meu não caiu, mas afinal, grande merda, há aviões que caem na Europa.

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  6. O meu "namorido" também veio de Barcelona ontem...às tantas no mesmo voo que você e por isso a historia da dança do avião foi tal e qual a sua...dança e mais dança!
    Ainda bem que correu tudo bem e que eu não sabia que um avião saído de Barcelona tinha caído!

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  7. É impressionante a forma com que combatemos o medo, depois de sermos pais ;)

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  8. Tento lembrar-me do que falas e não me irrritar tanto com tretas, ou com os fdp que metem a lata em cima do passeio, mas é complicado.
    Quanto aos aviões, ontem vim da madeira e o voo atrasou mais de uma hora, por motivos de ordem técnica. E sim, levei com o vento de merda e eu a agarrar aos dois outos a dormir...
    Abraço

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  9. Bom. Muito bom. As usual. :-)

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  10. "carpe diem. seize the day, boys. make your lives extraordinary"

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  11. Todos sabemos que devíamos valorizar as pequenas coisas, viver um dia de cada vez, saborear cada momento e dosear a ansiedade, o stress, os receios e deixar de perder tempo com coisas insignificantes.
    Mas o que aparentemente seria uma coisa simples viver com simplicidade, é extremamente difícil porque sofremos pressões de todos os lados, criamos expetativas e estamos constantemente a fazer planos.
    Quando o nosso dia-a-dia é carregado de stress, tudo nos afeta. Depois de um dia cansativo, com imenso trabalho, onde pelo meio tivemos de levar com o mau humor de 4 ou 5 pessoas, respostas tortas e outras quantas estúpidas, quando vemos um carro parado em cima de uma passadeira é claro que temos vontade de fuzilar o condutor, especialmente se existirem lugares de estacionamento 100m à frente.
    Todos temos momentos de clarividência, e ainda bem, não é que não valorizemos as pequenas coisas, estamos é tão absorvidos por tudo o resto que não conseguimos parar para as desfrutar como deve ser.
    Felicidades e não vou dizer-te para aproveitares o momento, porque acho que realmente já o fazes, mas sim para o consciencializares mais vezes.

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  12. Acho que me cagava toda mas depois ficava toda on fire por chegar e abraçar o meu filho. Na boa, na paz. Não sei pq têm caído demasiados aviões...

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  13. that is my aim: to be at peace. e estou. e é tao bom.

    DN

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  14. O problema é estarmos sempre a esquecer.

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  15. é como a Pedagogia diz o problema é que isso dura 3 dias no máximo uma semana, depois entramos em modo zombie novamente.

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